Olhar para a experiência internacional ressalta a importância da regulamentação para garantir o controle e a destinação adequada de vapes. Aliado na luta antitabagista, produto ajudou a Nova Zelândia a se tornar a primeira nação a proibir o cigarro tradicional de nicotina para pessoas nascidas a partir de 2009
A experiência internacional deixa claro: vapes e cigarros eletrônicos têm potencial para agirem como aliados na luta contra os danos do consumo de tabaco. Reitero essa afirmação já feita em tantos debates e rodas de conversa com especialistas e representantes do mercado e do poder público. Você pode até pensar que estamos navegando na direção contrária do combate ao tabagismo, mas definitivamente não é nada disso.
Cada vez mais comuns nos EUA e na Europa, por exemplo, vapes e cigarros eletrônicos funcionam como alternativa ao corte abrupto do hábito de fumar – uma iniciativa que, muitas vezes, não impede recaídas e dificilmente cumpre o seu objetivo principal. Por que não podemos conversar abertamente sobre isso aqui no Brasil? Por que ainda renunciamos a atalhos que, comprovadamente, apoiam fumantes adultos que desejam diminuir ou até abandonar completamente o tabaco?
Medidas já adotadas por outros países em relação ao uso controlado dessas ferramentas podem ajudar o Brasil a virar essa chave. Embora o histórico mundial da regulamentação de vapes e cigarros eletrônicos ainda seja relativamente recente, tais decisões não foram tomadas em vão, muito menos de maneira mal-intencionada. Pelo contrário: elas refletem o avanço de estudos que reafirmam a importância desses produtos para reduzir os danos do cigarro tradicional.
O exemplo mais recente e proeminente vem da Nova Zelândia. Numa medida inédita, uma lei aprovada pelo parlamento local em 13 de dezembro de 2022 fez com que o país se tornasse o primeiro do mundo a proibir o uso do cigarro tradicional de nicotina por qualquer pessoa nascida após 1º de janeiro de 2009 – o que vale para a vida toda, mesmo depois dos 18 anos de idade1.
Ter um mercado legalizado de vape, entre outras alternativas legais mais seguras do que o cigarro, é apontado como um dos elementos que viabilizaram essa nova proibição do tabaco na Nova Zelândia, argumentam defensores de políticas antitabagistas e de redução de danos. Segundo especialistas, desde que o vape foi legalizado no país em agosto de 2020, as taxas de fumantes adultos caíram 33% – uma conquista descrita como “extraordinária e sem precedentes”.
Segundo um levantamento da ONG CASAA (The Consumer Advocates for Smoke-free Alternatives Association), embora os primeiros registros de cigarros eletrônicos sejam datados dos anos 1930, sua história começou, de fato, em 20032. Foi nesse ano que ocorreu a primeira comercialização bem-sucedida do artefato, na capital chinesa Pequim, pelo farmacêutico Hon Lik. Mas foi só em 2006 que o produto foi introduzido na Europa e nos Estados Unidos. Desde então, ganhou força o debate sobre o papel do dispositivo na redução dos danos do tabaco.
Na Inglaterra, o cigarro eletrônico já pode ser prescrito por médicos seguindo uma orientação do Serviço Nacional de Saúde (NHS, em inglês) como estratégia para reduzir o consumo do tabaco3. Já nos EUA, o mesmo dispositivo foi liberado pelo FDA (The Food and Drug Administration) após a constatação de que os benefícios para os adultos que tentam parar de fumar superam os riscos de que o produto seja utilizado por públicos aos quais não é destinado, como menores de idade4.
Na verdade, a lista de países que permitem a comercialização controlada do vape é extensa e chega a 79 nações. Esse número é maior que o dobro dos 32 países que ainda optam por proibi-lo5. Enquanto na Europa, mesmo sob restrições, diversos países já permitem a venda e o acesso aos cigarros eletrônicos, a América Latina (incluindo Brasil, Argentina e México) é marcada por uma resistência majoritária ao produto, sendo a Colômbia uma das exceções.
Mas o que esse contexto internacional tem a nos ensinar? A resposta é simples: controle. A venda e o acesso regulamentado de dispositivos eletrônicos para fumar não só diminuem as chances de que eles cheguem ao público errado (ao contrário da atual realidade brasileira, sem controle e com amplo domínio do mercado paralelo), mas também podem apoiar o financiamento de políticas públicas de combate ao tabagismo por meio da arrecadação de impostos.
De acordo com uma recente pesquisa do IBGE, o Brasil conta hoje com cerca de 22 milhões de fumantes. Ou seja, 10% da população nacional poderia se beneficiar de uma via facilitadora para o abandono gradativo do vício em tabaco. Regulamentar e acompanhar a distribuição do vape é uma medida necessária para que essa finalidade seja cumprida entre fumantes adultos, sem deixar de lado a fiscalização e as campanhas de conscientização que essa liberação controlada exige.
Em 2021 foram contabilizados mais de 2 milhões de consumidores de cigarros eletrônicos no país, número 120% acima do registrado em 2020, segundo o Ipec Inteligência6. Não há mais tempo a perder. Não se pode admitir que todos eles continuem acessando esse produto sem nenhuma garantia de origem e qualidade em decorrência da ausência de uma regulamentação.
Um bom estudo de caso vem da Nova Zelândia, que desde 2017 adota a liberação do vape como aliado na luta contra o tabagismo7. As autoridades locais acompanham a comercialização de cigarros eletrônicos e bloqueiam o seu acesso por adolescentes e pela população não fumante. Um controle rigoroso que não impede o auxílio àqueles que querem se desvincular do tabaco.
Essa medida faz parte de um conjunto de ações que visa reduzir para 5% a taxa local de fumantes no território neozelandês até 2025, antes de eliminar completamente a incidência de viciados em tabaco no país.
O Reino Unido também tem avanços a compartilhar com o Brasil e outros países a respeito de sua política de redução de danos, o que inclui a regulamentação do cigarro eletrônico8. O país segue firme nessa escolha com base em um estudo de 2015 da agência do serviço de saúde britânica, a PHE, que aponta que os cigarros eletrônicos podem ser até 95% menos prejudiciais do que o tabaco.
Pesquisas e boas práticas no exterior servem de estímulo para um debate mais justo e aberto sobre o cigarro eletrônico em solo nacional. Países reativos à ideia de regulamentar o vape têm razão quanto à necessidade de proteger o público jovem do primeiro contato com dispositivos aditivos. No entanto, não podemos excluir dessa conversa aqueles que buscam instrumentos facilitadores que vem auxiliando pessoas ao redor do mundo a se livrarem dos danos já amplamente conhecidos dos cigarros tradicionais de nicotina.
Fontes:
1 – “Primeira proibição do mundo ao cigarro, na Nova Zelândia, foi viabilizada pela legalização do vape, dizem defensores da redução de danos”, Sky News Australia, 15 de dezembro de 2022.
2 – Caasa: “HISTORICAL TIMELINE OF VAPING & ELECTRONIC CIGARETTES”.
https://casaa.org/education/vaping/historical-timeline-of-electronic-cigarettes/
3 – Amy Woodyatt, CNN: “Inglaterra pode se tornar primeiro país a prescrever cigarros eletrônicos”.
4 – BBC: “Vaping: FDA approves e-cigarette in US for first time”
https://www.bbc.com/news/world-us-canada-58897141
5 – Global Tobacco Control: “Coun try Laws Regulating E-Cigarettes”
https://globaltobaccocontrol.org/en/policy-scan/e-cigarettes/countries?country=99
6 – Poder 360: “Mercado ilegal avança com proibição de cigarros eletrônicos”
7 – BBC: “Nova Zelândia proíbe venda de cigarros para as próximas gerações”
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-59594422
8 – Exame: “Onde o vape é liberado e onde a venda é proibida?”
https://exame.com/ciencia/onde-o-vape-e-liberado-e-onde-a-venda-e-proibida/