Um relatório de 1468 páginas encomendado pelo Departamento de Saúde Pública da Inglaterra ao King’s College London concluiu que pessoas que fumam deveriam ser incentivadas a usar cigarros eletrônicos de nicotina para reduzir os danos do tabagismo ou como terapia para parar de fumar.
Conteúdo
Vaporizadores continuam 95% menos prejudiciais do que fumar
A estimativa de que cigarros eletrônicos são 95% menos prejudiciais do que fumar foi estabelecida desde 2015 pelo Governo da Inglaterra após análise da literatura científica da época. Os autores chegaram a esse número considerando que os constituintes da fumaça do cigarro que prejudicam a saúde, incluindo carcinógenos, estão ausentes no vapor do cigarro eletrônico ou, se presentes, estão principalmente em níveis muito abaixo de 5% das doses do fumo, e que os principais produtos químicos presentes apenas nos vaporizadores não foram associados a qualquer risco grave.
Nesse novo relatório, os especialistas declaram: “Estamos cientes de que resumir os riscos relativos de vaping versus fumar em uma variedade de diferentes produtos e comportamentos e avaliados em vários biomarcadores pode ser simplista e mal interpretado. Com base nas evidências revisadas, acreditamos que a estimativa de ‘pelo menos 95% menos prejudicial’ permanece amplamente precisa, pelo menos em períodos de curto e médio prazo.”
E continuam com uma declaração que visa ser mais abrangente e não se basear apenas em números absolutos, dizendo: “No entanto, agora pode ser mais apropriado e unificador resumir nossas descobertas usando nossa outra declaração firme: que o vaping representa apenas uma pequena fração dos riscos de fumar.”
E finalizam lembrando que é importante salientar que os cigarros eletrônicos não são produtos isentos de riscos: “Como também afirmamos e reiteramos anteriormente, isso não significa que o vaping seja isento de riscos, principalmente para pessoas que nunca fumaram.”
Percepção de riscos incorreta
O fenômeno da percepção incorreta sobre os riscos dos cigarros eletrônicos também ocorre na Inglaterra, porém de forma menos grave do que nos EUA e principalmente no Brasil, onde a maioria das pessoas consideram que os vaporizadores são tão ou mais prejudiciais que os cigarros convencionais, o que o relatório mostra ser justamente o contrário.
Isso é impulsionado principalmente pelas campanhas anti-vaping realizadas por grupos e organizações de saúde ideológicas ou que defendem agendas próprias, que não são baseadas em evidências científicas e acabam por utilizar a mídia para espalhar táticas de medo e narrativas desconectadas com o interesse da saúde pública.
“As percepções públicas de danos absolutos e relativos do vaping não estão de acordo com as evidências e nossas descobertas indicam que essas percepções influenciam os comportamentos subsequentes de uso de vape e tabagismo. Também descobrimos que as intervenções podem influenciar as percepções. Portanto, entender e mudar percepções equivocadas é muito importante”, declararam os autores do relatório.
A revisão sistemática das percepções de danos dos cigarros eletrônicos descobriu que as intervenções que comunicam informações equivocadas geralmente aumentam a percepção errônea de que os vaporizadores são iguais ou mais prejudiciais do que o cigarro.
Isso ocorre principalmente quando é feito um comparativo entre os cigarros eletrônicos e o não uso dos produtos, ao invés de realizar um paralelo entre os cigarros convencionais, o que demonstraria benefícios e redução significativa de danos.
“As evidências sugerem que perceber o vaping como tão ou mais prejudicial do que fumar prediz a recaída subsequente ao tabagismo entre ex-fumantes adultos”, escreveram os autores.
O estudo também revelou que fornecer informações destinadas a aumentar as percepções relativas precisas dos cigarros eletrônicos em comparação com o tabagismo “pode levar os fumantes adultos a tentar o uso de vaporizadores e reduzir o risco de recaída ao tabagismo entre ex-fumantes adultos que vaporizam”.
A preocupação com os jovens
A pesquisa Action on Smoking and Health-Youth (ASH-Y), com dados coletados de fevereiro a março de 2022, mostra que 8,6% dos jovens pesquisados fazem uso de vaporizadores (em comparação com 4% em 2021) e que a maioria dos jovens que nunca fumou também não estava atualmente vaporizando (98,3%).
Isso mostra que não houve um aumento no uso de nicotina ou de vaporizadores sem nicotina entre jovens, mas sim uma mudança do consumo de cigarros para o uso de vaporizadores, forma muito menos prejudicial de consumo de nicotina.
Um outro estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade College London, mostra que a prevalência do uso de vaporizadores entre a população jovem na Inglaterra não parece estar associada a aumentos ou diminuições substanciais na prevalência do tabagismo, o que demonstra que os cigarros eletrônicos não oferecem o “efeito porta de entrada” ao tabagismo, argumento frequentemente usado por pessoas e organizações contrárias à Redução dos Danos do Tabagismo.
“Dada a proporção substancial de jovens e adultos fumantes e vapers na Inglaterra que ainda têm percepções imprecisas dos danos relativos do vaping em comparação com o tabagismo (que a vaporização é tão ou mais prejudicial do que fumar), essas percepções errôneas precisam ser abordadas”, advertiram os pesquisadores do King’s College London, ressaltando que “as intervenções sobre os danos absolutos do uso de cigarros eletrônicos precisam ser cuidadosamente projetadas para não desinformar os jovens, especialmente os fumantes, sobre os danos relativos do tabagismo e do vaping.”
Ao mesmo tempo, os pesquisadores não encontraram nenhum estudo entre jovens ou adultos jovens avaliando se as percepções de danos da vaporização previam a mudança subsequente de fumar para vaporizar, ou o contrário. “Assim, são necessários estudos que abordem a substituição do tabagismo por vaping em jovens, adultos jovens e adultos”.
Os pesquisadores também destacam a importância de uma comunicação eficaz sobre os danos absolutos e relativos do uso de cigarros eletrônicos e do tabagismo. “Do ponto de vista ético, o principal objetivo dessas comunicações deve ser garantir que as mensagens forneçam informações precisas sobre os danos absolutos do vaping e os danos relativos do vaping em comparação com o tabagismo, para abordar os equívocos predominantes”.
Fumantes deveriam ser incentivados a usar cigarros eletrônicos
O relatório aponta para evidências dos serviços para parar de fumar e da revisão da Cochrane que mostram que o uso de cigarros eletrônicos é eficaz para parar de fumar. “Essas descobertas, juntamente com nossas descobertas de que os vaporizadores carregam uma pequena fração dos riscos à saúde do tabagismo, sugerem que os fumantes devem ser incentivados a usar produtos de cigarros eletrônicos para parar de fumar ou como dispositivos alternativos de entrega de nicotina para reduzir os malefícios à saúde do tabagismo”.
O estudo sobre as implicações para a saúde pública do uso de vaporizadores e a formulação de políticas públicas baseadas em evidências são possíveis graças à regulamentação dos produtos na Inglaterra, um dos países na vanguarda regulatória à respeito dos cigarros eletrônicos.
O Brasil segue na contramão da ciência
Já no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) segue discutindo sobre manter a proibição do comércio de cigarros eletrônicos, o que vai perpetuar um gigantesco mercado ilegal de cigarros eletrônicos que dá livre acesso a menores de idade ou não fumantes, além de oferecer produtos sem qualquer controle, garantia de qualidade ou procedência, para milhões de consumidores brasileiros.
Além disso, a mídia tem dado espaço quase que exclusivo para uma narrativa contrária aos cigarros eletrônicos, perpetrada por organizações de saúde ideológicas financiadas por capital estrangeiro, que compartilham informações falsas e ignoram a ciência, influenciando a opinião pública contra os produtos.
Na Inglaterra, as autoridades de saúde consideram os vaporizadores de nicotina como parte de sua estratégia para tornar o país livre do tabagismo. Em 2019 o Reino Unido declarou seu objetivo de se tornar livre do tabaco até 2030, reduzindo a prevalência do tabagismo para menos de 5%.
Um documento publicado em 2020 incluiu um “ultimato para a indústria tornar o tabaco fumado obsoleto até 2030, com os fumantes parando ou mudando para produtos de risco reduzido, como cigarros eletrônicos”.
O Escritório para Melhoria e Disparidades da Saúde, órgão ligado ao Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido, publicou em março uma revisão pós-implementação dos Regulamentos de Tabaco e Produtos Relacionados, sob os quais estão regulamentados os cigarros eletrônicos de nicotina. Essa revisão concluiu que as evidências indicavam que os principais objetivos dos regulamentos, implementados em 2016, estavam sendo atendidos e forneceu um forte argumento para sua manutenção.
Em novembro de 2021, o Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados do Reino Unido publicou uma nova diretriz abrangente sobre o tabaco que inclui orientações sobre discutir os cigarros eletrônicos com os pacientes para ajudar a prevenir ou interromper o uso do tabaco.