Na Terça-feira dia 18/04/2023 a CBN exibiu seu programa “Saúde em foco” com o médico Luis Fernando Correia, intitulado “Fabricantes de cigarros eletrônicos ‘tentam empurrar um jeito novo de manter mercado'”.
Durante a entrevista, o médico estabelece uma postura bastante contrária à política de redução de danos adotada pela Inglaterra, que recentemente lançou um programa inédito no mundo, elogiado por diversos especialistas da saúde, para distribuir 1 milhão de cigarros eletrônicos para adultos fumantes, num programa que pretende atingir quase 1 em cada 5 fumantes ingleses.
A estratégia faz parte de um plano que pretende diminuir o tabagismo para um índice máximo de 5% até 2030, alinhado com a meta da União Européia de atingir o número até 2040.
Luis Fernando Correia aborda o assunto de forma desconectada com as decisões de diversos países que estão obtendo números positivos na saúde pública, como a Suécia, que recentemente comemorou estar prestes a atingir a meta de 5% de prevalência no tabagismo, 17 anos antes do prazo estabelecido pela União Européia, graças às suas ações que aceitam a política de redução de danos, regulando produtos como cigarros eletrônicos, tabaco aquecido e tabaco oral.
Casos emblemáticos como o Japão também tem mostrado que a redução de danos do tabagismo como política pública de saúde oferece resultados muito positivos, desde que baseada em evidências científicas, estudos populacionais e muito pragmatismo, entendendo que produtos como esses ajudam as pessoas a parar de fumar e oferecem apenas uma fração dos riscos quando comparados aos cigarros convencionais.
O médico começa a entrevista criticando a criação de uma “bancada de redução de danos no congresso dos EUA”, chegando a chamar a decisão do governo britânico de “historinha”, desdenhando os anos de pesquisas realizadas na área e os resultados concretos traduzidos em números, em relação a diminuição do tabagismo e de doenças atreladas ao fumo, graças a sua abordagem de não apenas aceitar, mas também incentivar o uso de cigarros eletrônicos por adultos fumantes, em uma troca total dos cigarros a combustão pelos vaporizadores.
Para se entender a seriedade das ações da Inglaterra sobre o assunto, o serviço público de saúde inglês oferece os produtos como alternativa oficial para o tabagismo em sua rede pública, assim como faz com adesivos e gomas de mascar. Há inclusive lojas de cigarros eletrônicos dentro de hospitais, já houveram ações de doação dos produtos para mulheres grávidas fumantes e pessoas em situação de rua.
Sua referência à criação de uma bancada faz uma ligação com um suposto “ataque coordenado” realizado por “gente grande”, que ao final de seu pensamento diz estar sendo realizado pela PMI – Philip Morris International, fabricantes de cigarros como L&M e Chesterfield, entre outros.
O médico tenta convencer as pessoas que uma empresa fabricante de cigarros comprou todo o governo da Inglaterra e o obrigou a apoiar a estratégia de redução de danos no tabagismo, o que acontece desde 2014 diga-se de passagem, ao incluir os cigarros eletrônicos como método alternativo para consumo de nicotina com risco reduzido em seu sistema de saúde.
Ele continua dizendo que a PMI criou outra companhia, sem mencionar o nome, mas provavelmente se referindo a Altria, que através de “algumas notícias do último final de semana”, supostamente estaria interessada na compra da JUUL, um dos maiores fabricantes de cigarros eletrônicos dos EUA.
O médico mostra total desconhecimento do assunto, com informações equivocadas e fora de contexto.
A verdade é que a empresa Philip Morris Cos., existe desde 1920 e em 2003 foi renomeada para Altria. A marca PMI – Philips Morris International passou a ser sua divisão de produtos de tabaco, assim como a KRAFT se tornou sua divisão de alimentos.
Mal sabe o médico que a PMI não apenas já comprou 35% das ações da JUUL em 2018, como inclusive já desfez o negócio este ano.
Uma das maiores falácias do momento no debate sobre o assunto é de que os cigarros eletrônicos “são da indústria tabagista”. Temos um artigo detalhado que fala sobre isso, mas em resumo, os produtos foram inventados em 2003 por um engenheiro e farmacêutico Chinês chamado Hon Lik, não ligado à indústria tabagista. As tabagistas só passaram a oferecer produtos em 2012 e após mais de 10 anos ainda detém apenas uma parte menor do mercado global, com pouco mais de 30%, isso considerando os investimentos realizados em empresas que são exclusivas de vaporizadores e foram adquiridas pelas tabagistas, enquanto a maior parte ainda está na mão das centenas de empresas chinesas, fabricantes independentes.
Infelizmente Luis Fernando Correia se mostra mal informado sobre a realidade dos cigarros eletrônicos em vários sentidos, não admitindo o papel fundamental que eles têm oferecido na redução de danos ao redor do mundo como acontece no Japão, Nova Zelândia, Canadá, Inglaterra e Suécia, e acaba por divulgar desinformação e fake news sobre o assunto, tentando acusar a indústria tabagista, mais especificamente a empresa Philip Morris International, como a suposta vilã por detrás da redução de danos do tabagismo no Reino Unido e nos Estados Unidos, em uma teoria da conspiração que beira ao terraplanismo.
É preciso tomar muito cuidado com o argumento por autoridade. Muitas pessoas possuem currículos excelentes e grandes experiências em suas áreas, principalmente em saúde, cujo crédito lhes é devido, porém isso não lhes dá automaticamente razão sobre tudo, tampouco previne que tal pessoa adote uma ideologia desconectada da realidade ou da ciência.
Isso é principalmente perigoso quando se trata de saúde pública e tem ocorrido com frequência no debate sobre a regulação dos cigarros eletrônicos no Brasil, especialmente vindo de médicos e profissionais da saúde, alguns com cargos importantes em organizações de renome.
Não há dúvidas em relação ao grande papel de redução de danos dos vaporizadores quando comparados com os cigarros convencionais e na ação eficaz na troca de um produto mais nocivo por outro muito menos nocivo, os números divulgados por vários países mostram um claro impacto positivo na sociedade, e ignorar isso é no mínimo anti-ético.
A redução de danos é um conceito antigo, adotado e incentivado pela OMS – Organização Mundial da Saúde para drogas e álcool, mas não quando se trata de tabagismo, algo que é duramente criticado por especialistas em controle do tabaco ao redor do mundo. Essa postura é acompanhada por profissionais de saúde brasileiros que fecham os olhos para o que está acontecendo e optam por adotar uma opinião que não condiz com o que a realidade tem mostrado.
Nos EUA, onde o médico critica a criação de uma suposta bancada de redução de danos, durante muitos anos não havia qualquer regulamentação sobre os cigarros eletrônicos, incluindo um bom período em que a JUUL já atuava no mercado, o que gerou um consumo descontrolado principalmente entre os jovens. Somente após a regulamentação, que ocorreu nos últimos anos, a queda no consumo por adolescentes foi de 50%, o índice de tabagismo entre o público jovem está em 2% e o país estabeleceu o menor índice de consumo de nicotina dos últimos 50 anos entre os jovens, o que inclui qualquer tipo de produto somado como cigarros, cigarros eletrônicos, charutos e outros.
Uma regulamentação no Brasil que permita o comércio de cigarros eletrônicos com qualidade e segurança, de forma controlada, fiscalizada e que ofereça acesso a adultos fumantes, enquanto combate o uso por jovens, é absolutamente necessária. É preciso corrigir o ambiente estabelecido no país de total domínio de um mercado ilegal e uso indiscriminado, principalmente por adolescentes. Em um cenário de completa falta de informação, adultos fumantes que poderiam ser beneficiados na troca dos cigarros convencionais pelos vaporizadores pensam se tratar de produtos de igual ou pior risco, enquanto jovens passam a usar os produtos sem saber dos danos à saúde que estão assumindo.