Cigarros eletrônicos NÃO entregam mais nicotina que o cigarro convencional

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Uma informação bastante divulgada por profissionais de saúde e organizações contrários à regulamentação dos cigarros eletrônicos no Brasil é de que estes produtos oferecem mais nicotina do que nos cigarros convencionais, o que é falso.

É difícil acreditar que uma informação tão importante seja compartilhada de forma completamente equivocada, mas é o que anda sendo dito por especialistas e replicado pela mídia, o que contribui para a desinformação acerca dos cigarros eletrônicos no Brasil.

Um erro básico de cálculo (proposital?)

A lógica por detrás dessa narrativa é que os cigarros comuns possuem no máximo 1 mg cada, portanto um total aproximado de 20 mg em um maço. Já os líquidos para cigarros eletrônicos podem oferecer concentrações de até 60 mg/ml, o triplo do que há nos cigarros, sendo consequentemente mais potente e viciante.

Isso está errado e a ciência já sabe disso faz tempo.

Primeiro é preciso entender que tanto no cigarro convencional quanto nos eletrônicos, a nicotina é apresentada em 3 concentrações diferentes, dependendo da etapa de consumo:

  • Bruta: aquela presente no produto em si, seja no cigarro ou no frasco dos líquidos, antes de ser consumida;
  • Inalada: quando uma pessoa inala a fumaça dos cigarros ou o aerosol dos eletrônicos, aqui há uma grande perda na absorção da nicotina;
  • Efetiva: a concentração real absorvida, medida no sangue, que também sofre uma grande perda da etapa anterior;

Nicotina bruta

Por incrível que pareça, a quantidade de nicotina bruta nos cigarros é pouco conhecida pelos consumidores e não é aquela apresentada nos maços dos produtos. No mercado internacional há grande variação desse valor, indo de 6 mg até 28 mg cada, dependendo da marca. Isso quer dizer que um maço de cigarros pode ter até 560 mg de nicotina total bruta.

O Vapor Aqui entrou em contato com a BAT Brasil e a Philip Morris Brasil, duas das maiores fabricantes de cigarro do país e não recebemos resposta sobre a quantidade de nicotina bruta no cigarro fabricado no país, somente o valor presente na fumaça.

Podemos estimar que a nicotina bruta do cigarro nacional esteja entre 12 mg e 15 mg, o que significaria que um maço de cigarros fabricado no Brasil teria em média 270 mg totais brutos. Esses valores são estimados através do que já sabemos pela nicotina inalada, mais sobre isso abaixo.

Já nos líquidos para cigarros eletrônicos a concentração máxima oferecida pelo mercado é de 60mg/ml, portanto 2 cartuchos de 2 ml diários resultarão em um total de 240 mg.

Em ambos os casos, apenas uma fração desses valores é efetivamente absorvida.

Nicotina inalada

Chegamos à segunda etapa do processo de consumo, a fumaça ou aerosol inalado, quando efetivamente acendemos e tragamos um cigarro comum ou acionamos um cigarro eletrônico e inalamos o aerosol criado.

Através da RDC 14/2012 da ANVISA há um limite de 1 mg no total de nicotina que pode ser transportado na fumaça dos cigarros. É por isso que as tabagistas nacionais precisam fazer uma mistura de tabacos diferente no Brasil para se encaixar nessa limitação. Esse é o valor informado nos maços de cigarros.

Aqui podemos entender como é falsa a comparação feita entre a nicotina dos cigarros com aquela dos eletrônicos. Não faz sentido comparar a concentração bruta dos líquidos com aquela já bastante diluída presente na fumaça, com somente 1mg, enquanto a bruta pode passar dos 300 mg por maço.

Por se tratar de processos totalmente diferentes, no cigarro há queima de material e produção de fumaça enquanto nos eletrônicos existe vaporização e inalação de um aerosol que entrega 85% menos nicotina nos pulmões em comparação.

Mas a nicotina efetivamente inalada é apenas o processo intermediário e apesar de importante para definir limites mais seguros, não é essencial para avaliarmos riscos, pois o que realmente define a quantidade de nicotina absorvida pelo organismo é a aquela presente no plasma sanguíneo, a terceira e última etapa de consumo.

Nicotina no sangue

Em 2014 os primeiros estudos realizados sobre o assunto já mostravam um índice de absorção muito menor nos cigarros eletrônicos oferecidos na época, que continham uma concentração máxima de 18 mg/ml, mas já era estimado que para se aproximar dos cigarros convencionais, seria preciso uma concentração muito maior, aproximadamente 50 mg/ml, o que depois se comprovou ainda assim não ser o suficiente.

Com o passar dos anos e a invenção da Nicsalt, uma nicotina especial que pode ser vaporizada em altas concentrações e pode chegar até 60mg/ml, novos estudos foram conduzidos.

Este estudo realizado em 2019 comparando cigarros com cigarros eletrônicos em concentrações até 40 mg mostrou que o nível de nicotina efetivamente absorvido pelo corpo humano teve uma diferença de 17 ng/ml (nanogramas por ml) para o cigarro convencional e 11.5 ng/ml para o eletrônico ou 32 % a menos.

Este estudo de 2019, mais uma vez vê resultado semelhante, com muito mais nicotina sendo absorvida através do cigarro convencional, em um total de 25.9 ng/ml, contra apenas 11.5 ng/ml para os cigarros eletrônicos, cuja concentração de nicotina média nos líquidos utilizados era de 16 mg/ml, portanto uma diferença de absorção 55 % menor.

Um discurso que não condiz com a ciência

O que temos notado é a adoção da desinformação como tática principal das organizações contrárias à liberação do comércio de cigarros eletrônicos no Brasil, que ignoram pesquisas científicas e por vezes apresentam dados interpretados de forma errada (propositalmente ou não), como podemos ver abaixo.

Durante palestra ao vivo no canal do Youtube da SBPT – Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, a Dra. Stella Martins dá informações completamente contraditórias ao que é mostrado em sua apresentação, alegando que os cigarros eletrônicos possuem mais nicotina do que os cigarros tradicionais, apesar do gráfico que ela mesmo apresenta mostrar exatamente o contrário. Assista:

Apesar de não termos encontrado o trabalho acadêmico que tenha originado a imagem, pelo menos podemos oferecer a correta interpretação do que se vê na tela, sendo um gráfico bastante conhecido que apresenta um comparativo entre 4 produtos:

  • Cigarros convencionais (linha roxa);
  • Líquidos tradicionais para cigarros eletrônicos que contém em média entre 3 mg e 6 mg (linha azul escura);
  • Líquidos desenvolvidos pelos laboratórios PAX contendo Nicsalt em baixa concentração cujo valor não é informado (linha verde);
  • Líquidos desenvolvidos pelos laboratórios PAX contendo Nicsalt em alta concentração, com 60 mg/ml, o que se tornou a versão comercial da empresa JUUL e concentração máxima oferecida atualmente em líquidos para cigarros eletrônicos (linha laranja);

Como podemos ver, os cigarros tradicionais estão no topo, com pouco mais de 20 ng/ml de nicotina efetivamente absorvida pelo corpo humano em um período aproximado de 5 minutos. No mesmo intervalo de tempo, a versão de líquidos para cigarros eletrônicos com a concentração mais alta do gráfico, com 60 mg/ml, fica pouco acima dos 15 ng/ml.

É importante notar também que a concentração de nicotina no plasma sanguíneo cai muito mais rapidamente nos líquidos para cigarros eletrônicos do que no cigarro convencional, que fica mais alta durante todo o período de 30 minutos, mantendo-se em 10 ng/ml enquanto nos líquidos para vaporizadores ela cai para abaixo de 5 ng/ml.

Isso quer dizer que, usando como base a maior concentração possível de nicotina oferecida em líquidos para cigarros eletrônicos, contendo 60 mg/ml, temos um valor 25 % menor de absorção efetiva de nicotina comparado aos cigarros convencionais e que menos de 1/3 desse valor permanece no plasma sanguíneo após um período de 30 minutos. As alegações da Dra. Stella Martins não fazem o menor sentido em relação ao gráfico que ela mesmo apresenta.

Importante salientar que uma grande parte dos consumidores utiliza a tradicional nicotina Freebase, com concentrações de 3 mg, cuja linha no gráfico é representada pela cor azul, resultando em muito menos nicotina no plasma sanguíneo, com aproximadamente 3 ng/ml ou o equivalente a 85 % menos quando comparado com o cigarro tradicional.

Mesmo assim, como vemos no vídeo, a Dra. Stella insiste em declarar que os vaporizadores possuem mais nicotina que nos cigarros tradicionais, portanto tendo impacto viciante maior, quando na verdade os dados que ela própria apresenta em sua palestra mostram exatamente o contrário.

Este conteúdo acaba por ser utilizado pela mídia para divulgação de informações falsas, confundindo o público e impedindo qualquer tipo de debate sério e técnico sobre o assunto.

Este não se trata de um caso isolado, temos visto diversos profissionais de saúde declarando as mesmas informações em vários meios de comunicação, principalmente nas mídias sociais, o que prejudica a integridade das notícias divulgadas pela grande mídia.

O caminho da terapia de reposição de nicotina

“…já que ele quer parar de fumar, por que ele vai trocar por um outro produto para depois ter que seguir esse caminho…”

Dra. Stella Martins durante palestra ao vivo no canal do Youtube da SBPT

A colocação da Dra. Stella é bastante contraditória, pois é exatamente este o caminho que as pessoas buscam ao optar por produtos de reposição de nicotina com risco reduzido, na forma de adesivos e gomas de mascar. Com a mesma nicotina presente nos cigarros, são produtos que oferecem uma método de entrega da substância através da mucosa bucal ou da pele, método muito menos prejudicial do que a combustão dos cigarros. Esse conceito é o mesmo aplicado nos cigarros eletrônicos, oferecendo nicotina através da vaporização, sem combustão.

Adesivos e gomas de mascar de nicotina possuem um índice de sucesso extremamente relativo, com estudos indicando desde apenas 6% de eficácia até 60 % totais, com vários resultados entre esses dois números. Parece haver uma grande discrepância entre os resultados obtidos em testes clínicos com os valores em situações reais de consumo. Em média, parece haver um índice de sucesso de 30 %, portanto 7 em cada 10 pessoas não conseguem parar de fumar usando esses produtos. Já os cigarros eletrônicos parecem ter muito mais eficácia nesse sentido.

Este recente estudo encontrou que, em contraste com as gomas e adesivos de nicotina, os cigarros eletrônicos ajudam as pessoas sem intenção de parar de fumar a largarem o cigarro. Eles também descobriram que os usuários de cigarros eletrônicos eram oito vezes mais propensos do que os não-usuários a parar de fumar e quase dez vezes mais propensos a parar de fumar diariamente. 

De acordo com pesquisadores da Universidade de Genebra e da Virginia Commonwealth University, os ex-fumantes que mudaram para os cigarros eletrônicos, no longo prazo, são menos dependentes dos dispositivos eletrônicos para fumar, do que os usuários da goma de mascar de nicotina eram dependentes da goma. 

Este outro recente estudo, indica que a nicotina é um fator importante para fumantes pararem de fumar. Os autores do estudo descobriram que os cigarros eletrônicos “que simulam o consumo de nicotina próxima à de um cigarro tradicional são mais eficazes em ajudar os fumantes ambivalentes a pararem de fumar”. 

Este estudo descobriu que “os cigarros eletrônicos oferecem benefícios de saúde vascular semelhantes aos da NRT (Nicotine Replacement Therapy ou Terapia de Reposição de Nicotina, produtos como adesivos e gomas de mascar). Isso acontece em um estágio muito inicial do processo de parar de fumar (3 dias).” 

Talvez a atualização mais relevante seja em relação a nova revisão da Biblioteca Cochrane, que concluiu com alta certeza, seu nível máximo de confiança, que os cigarros eletrônicos são mais eficazes para ajudar as pessoas a parar de fumar do que adesivos e gomas de mascar. Uma das instituições mais respeitadas e confiáveis do mundo no campo de revisões sistemáticas e meta-análises, composta por uma rede global independente com mais de 37 mil voluntários, de mais de 130 países ao redor do mundo para apresentação da melhor evidência científica disponível, com o objetivo de ajudar a tomada de decisão nas diversas áreas da saúde.

A nicotina não parece ser o problema

Os Britânicos do Serviço Nacional de Saúde (NHS) seguem uma abordagem pragmática em relação ao consumo de nicotina e cigarros eletrônicos, afirmando que: “embora a nicotina seja a substância viciante nos cigarros, é relativamente inofensiva. Quase todos os danos causados pelo fumo vêm dos milhares de outros produtos químicos presentes na fumaça do tabaco, muitos dos quais são tóxicos.” 

A Yorkshire Cancer Research afirma a mesma coisa: “a nicotina não é a causa da morte por fumar. A nicotina não é cancerígena; não há evidências de que o uso sustentado de nicotina isoladamente aumente o risco de câncer. Das três principais causas de morte por tabagismo (câncer de pulmão, doença pulmonar obstrutiva crônica e doença cardiovascular), nenhuma é causada pela nicotina. O dano do fumo vem dos milhares de outros produtos químicos na fumaça do tabaco.” 

Outro estudo também afirma que “a maior parte dos danos fisiológicos atribuíveis ao tabagismo deriva dos químicos tóxicos do tabaco e da combustão. A morbidade e mortalidade evitáveis têm sido predominantemente relacionadas ao fumo de tabaco queimado, não à nicotina em si. Desacoplada da combustão ou de outros modos tóxicos de liberação, a nicotina, por si só, é muito menos prejudicial”. 

Fumantes que mudam para vaping melhoram sua saúde, independentemente de continuarem consumindo nicotina ou não, de acordo com um estudo recente do professor Jacob George (Universidade de Dundee), que também descobriu que os fumantes que mudam para cigarros eletrônicos “demonstraram uma melhora significativa na saúde vascular”.

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