A Suécia quer dar de presente uma receita para acabar com o tabagismo e o Brasil precisa aceitar

Publicado:

Tempo de leitura: 5 minutos

A Suécia esta comemorando o sucesso de suas ações no combate ao tabagismo e estabelecendo um marco histórico na Europa, prestes a se tornar o primeiro país “livre do tabagismo”, com uma prevalência abaixo de 5% de fumantes, graças a uma abordagem pragmática que aceita produtos alternativos como os cigarros eletrônicos.

De acordo com o relatório “A experiência sueca: um roteiro para uma sociedade sem fumo”, apresentado em 14 de março em um seminário internacional de pesquisa em Estocolmo, nenhum outro país da União Europeia está perto de replicar essa conquista e nenhum está efetivamente no caminho de alcançá-la conforme a meta estabelecida pela União Europeia para 2040.

Em um vídeo no Youtube do canal Smoke Free Sweden 2023, o país comemora o feito e oferece sua estratégia para combater o tabagismo como um presente para o mundo, fazendo um comparativo com os cintos de segurança, inventados pela Volvo em 1959 que distribuiu gratuitamente para todos os fabricantes de automóveis do planeta, salvando assim mais de 1 milhão de vidas.

O chamado “milagre na saúde pública”, segundo os autores do relatório, é uma abordagem que combina as recomendações da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco da OMS, incluindo a redução da oferta e demanda de tabaco, proibição do fumo em determinados locais, mas acrescenta um elemento importante: aceitar produtos sem fumaça como alternativas menos prejudiciais, tais como tabaco aquecido, tabaco oral e cigarros eletrônicos, tornando-os mais acessíveis, aceitáveis e baratos, o que pode salvar 3,5 milhões de vidas na próxima década se outros países do bloco adotarem medidas semelhantes.

“Trata-se de combinar o controle do tabagismo com a minimização de danos”, explica o médico especializado em questões globais de saúde pública, Delon Human, um dos autores do relatório, em comunicado. “Não existem produtos de tabaco isentos de riscos, mas os cigarros eletrônicos, por exemplo, são 95% menos prejudiciais que os cigarros. É muito melhor para um fumante mudar de cigarros comuns para cigarros eletrônicos ou sachês de nicotina oral do que continuar fumando”, completa.

E os números mostram o sucesso da estratégia da Suécia: as taxas de tabagismo caíram 55% na última década, resultando em 44% menos mortes relacionadas ao fumo, a menor taxa de doenças relacionadas ao tabaco na União Europeia e uma incidência de câncer 41% menor do que outros países europeus. O relatório também descreve como a porcentagem de fumantes na Suécia caiu de 15% para 5,6% da população em 15 anos, tornando-a o primeiro país com potencial de alcançar o status de livre do fumo 17 anos antes da meta estabelecida pela União Europeia.

No site oficial Smoke Free Sweden 2023 é possível conferir todas as informações sobre a chamada “Experiência Sueca – Um Roteiro Para uma Sociedade Livre do Tabagismo”.

“A Suécia tem uma estratégia para o tabaco muito bem-sucedida que precisa ser exportada”, diz o professor Karl Fagerström, também autor do relatório, em comunicado. “Seria um benefício enorme para o mundo se mais países fizessem como a Suécia, com incentivos para mudar de cigarros para alternativas menos prejudiciais”, acrescentou Fagerström.

Para a implementação da estratégia em outros países o relatório recomenda três ações principais:

  1. Reconhecer os produtos alternativos de entrega de nicotina, por exemplo cigarros eletrônicos, como sendo menos prejudiciais e que representam um risco significativamente menor do que fumar. Incentivar os fumantes a mudarem de cigarros convencionais para alternativas menos prejudiciais.
  2. Fornecer informações baseadas em fatos. Não se trata de um produto isento de riscos mas, por exemplo, os cigarros eletrônicos são 95% menos prejudiciais do que os cigarros convencionais. Obviamente, é melhor para um fumante mudar de cigarros convencionais para cigarros eletrônicos.
  3. Decisões de regulação que tornam as alternativas de menor risco mais acessíveis do que os cigarros convencionais.

O Brasil segue na contramão

Em um grande contraste, o Brasil caminha para o sentido oposto. O comércio dos cigarros eletrônicos é proibido desde 2009 através da RDC 46 da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Em 2018 a agência iniciou uma análise e revisão das regras atuais para verificar uma possível alteração. O que se viu principalmente em 2022 foi uma campanha difamatória dos produtos, orquestrada por organizações de saúde privadas com interesse em manter o comércio proibido, o que é desconectado das principais evidências científicas sobre os produtos e das ações de países como a Suécia, contribuindo somente para o mercado ilegal.

O resultado dessas ações foi a criação de uma percepção errada sobre os riscos dos produtos, com a maioria da população considerando equivocadamente que os cigarros eletrônicos são tão ou mais prejudiciais do que os cigarros convencionais. Isso contamina a percepção inclusive de profissionais de saúde e outros agentes relevantes, contribuindo para dificultar a aceitação dos produtos no país.

Um relatório produzido e apresentado no ano passado por uma área interna da ANVISA, sob comando da ex-diretora Cristiane Jourdan, sugeriu manter a proibição do comércio e endurecer a fiscalização. É importante ressaltar que este movimento foi colocado em dúvida pela Câmara dos Deputados, conforme divulgamos em uma matéria especial, que propôs que a Comissão de Seguridade Social e Família fiscalize a atuação de Cristiane Jourdan diante de uma possível politização do exercício das funções enquanto ocupou o cargo entre 04 de abril e 24 de julho de 2022.

Ao contrário do que foi noticiado na grande mídia, a aprovação desse relatório não confirmou a proibição do comércio dos produtos no Brasil, sendo somente mais um passo no longo processo adotado pela agência. A decisão final sobre o assunto foi prometida pelo diretor presidente da ANVISA Sr. Antonio Barra Torres para 2023, com possibilidade de resposta já no primeiro semestre do ano, conforme disse em entrevista para o Canal Livre da TV Bandeirantes.

Apesar da proibição do comércio, nunca houve qualquer legislação que impedisse a posse ou uso dos cigarros eletrônicos, o que criou um gigantesco mercado ilegal no país, que torna impossível qualquer controle sanitário ou garantia de qualidade para os consumidores, além de não oferecer controle no consumo por não fumantes e especialmente por menores de idade.

Este cenário faz com que os cigarros eletrônicos possam oferecer riscos muito maiores do que na Suécia, em que o comércio e toda a cadeia produtiva é devidamente fiscalizada e controlada. Considerar que são produtos 95% menos prejudiciais só funciona em um ambiente regulado com regras rígidas para proteger a população. No Brasil, o risco é incerto.

Uma pesquisa realizada pela COVITEL mostrou uma prevalência de uso de cigarros eletrônicos de 7.3% de adultos, o que resulta em mais de 11 milhões de consumidores acima dos 18 anos, números que podem ser conservadores, já que não considera o uso por menores de idade.

Para piorar, o Brasil ainda conta com uma prevalência de tabagismo de quase 10%, que pode parecer pouco, mas se aplicado na grande população do país, representa mais de 20 milhões de fumantes. Colocando em perspectiva, a França tem uma prevalência de 33.40% com dados de 2020, o que em um país com aproximadamente 68 milhões de pessoas, equivale a praticamente o mesmo número do Brasil.

A ANVISA precisa ser pragmática e técnica em sua decisão sobre o comércio dos produtos alternativos para consumo de nicotina como cigarros eletrônicos, tabaco aquecido e tabaco oral, seguindo exemplos como a Suécia, Inglaterra, Nova Zelândia e tantos outros, para que possamos ter o melhor impacto possível na saúde pública brasileira.

Outros artigos

Efeito dos cigarros eletrônicos na cessação do tabagismo sobre sintomas de depressão e ansiedade: Análise secundária de um ensaio clínico randomizado

Anna Rihs, Anna Schoeni, Tamara Scharf, Julian Jakob, Kali Tal, Isabelle Jacot-Sadowski, Jean-Paul Humair, Anja Frei, Martin Brutsche, Nicolas Rodondi, Reto Auer, Stéphanie Baggio.
"Efeito dos cigarros eletrônicos na cessação do tabagismo sobre sintomas de depressão e ansiedade: Análise secundária de um ensaio clínico randomizado"

Sabores de e-líquido e escolhas de concentração de nicotina ao longo de 6 meses após uma tentativa de cessação do tabagismo com DEFs: Análises...

Angela Flavia Mosimann, Eva M. Güttinger, Kali Tal, Anna Schoeni, Stéphanie Baggio, Nicolas Sambiagio, Aurélie Berthet, Isabelle Jacot-Sadowski, Jean-Paul Humair, Martin Brutsche, Anja Frei, Moa Lina Haller, Reto Auer, Julian Jakob
"Sabores de e-líquido e escolhas de concentração de nicotina ao longo de 6 meses após uma tentativa de cessação do tabagismo com ENDS: Análises secundárias de um ensaio clínico randomizado"

Sistemas Eletrônicos de Administração de Nicotina para Cessação do Tabagismo

Reto Auer, Anna Schoeni, Jean-Paul Humair, Isabelle Jacot-Sadowski, Ivan Berlin, Mirah J. Stuber, Moa Lina Haller, Rodrigo Casagrande Tango, Anja Frei, Alexandra Strassmann, Philip Bruggmann, Florent Baty, Martin Brutsche, Kali Tal, Stéphanie Baggio, Julian Jakob, Nicolas Sambiagio, Nancy B. Hopf, Martin Feller, Nicolas Rodondi, Aurélie Berthet
"Sistemas Eletrônicos de Administração de Nicotina para Cessação do Tabagismo"

Eficácia dos cigarros eletrônicos para a cessação do tabagismo em populações com transtornos psiquiátricos e/ou problemas com o uso de substâncias: Uma análise secundária...

Stéphanie Baggio, Philip Bruggmann, Anna Schoeni, Nazanin Abolhassani, Kali Tal, Susanne Pohle, Anja Frei, Jean-Paul Humair, Isabelle Jacot-Sadowski, Janine Vetsch, Luca Lehner, Anna Rihs, Laurent Gétaz, Aurélie Berthet, Moa Haller, Mirah Stuber, Julian Jakob, Reto Auer
"Eficácia dos cigarros eletrônicos para a cessação do tabagismo em populações com transtornos psiquiátricos e/ou problemas com o uso de substâncias: Uma análise secundária de um ensaio clínico randomizado"

Transformando a África através da cultura, das artes e das histórias em quadrinhos

Usando a história em quadrinhos, um projeto na África está divulgando a atuação de profissionais importantes no campo científico, que defendem a redução de danos do tabagismo.

Os diferentes padrões de vaping e tabagismo na Austrália e na Nova Zelândia refletem políticas regulatórias distintas?

Colin Paul Mendelsohn, Robert Beaglehole, Ron Borland, Wayne Hall, Alex Wodak, Ben Youdan, Gary Chung Kai Chan
"Os diferentes padrões de vaping e tabagismo na Austrália e na Nova Zelândia refletem políticas regulatórias distintas?"

Newsletter

- Receba notícias em seu email

- Não compartilhamos emails com terceiros

- Cancele quando quiser

Últimas notícias

Caracterização Química Abrangente dos Cigarros Natural American Spirit

Vipin Jain, Aleksandra Alcheva, Darlene Huang, Rosalie Caruso, Anshu Jain, Mula Lay, Richard O'Connor, Irina Stepanov
"Caracterização Química Abrangente dos Cigarros Natural American Spirit"

Agora é proibido fumar nas ruas de Milão, na Itália, mas o vaping segue permitido

Enquanto os cigarros tradicionais não poderão mais ser consumidos nas ruas, os eletrônicos continuam sendo aceitos como redutores de danos.

Percepção do dano do vaping em relação ao tabagismo e associações com comportamentos futuros de fumar e vaporizar entre jovens adultos: evidências de um...

Katherine East, Eve Taylor, Ann McNeill, Ioannis Bakolis, Amy E Taylor, Olivia M Maynard, Marcus R Munafò, Jasmine Khouja
"Percepção do dano do vaping em relação ao tabagismo e associações com comportamentos futuros de fumar e vaporizar entre jovens adultos: evidências de um estudo de coorte no Reino Unido"

Prevalência e correlatos dos efeitos colaterais negativos do uso de nicotina por vaping: Resultados da pesquisa de 2020 do ITC sobre tabagismo e vaping...

Hua-Hie Yong, Laura Hughes, Ron Borland, Shannon Gravely, K Michael Cummings, Leonie S Brose, Eve Taylor, Maansi Bansal-Travers, Andrew Hyland
"Os efeitos colaterais negativos associados ao uso de produtos de vaporização de nicotina foram raros e geralmente leves nos quatro países estudados. A menor duração do uso, o uso simultâneo de cigarro e vaporização, e a percepção de maiores riscos associados à vaporização em comparação ao fumo foram fatores relacionados ao maior relato de efeitos colaterais atribuídos à vaporização."

Transições Comportamentais Longitudinais no Uso de Sistemas Eletrônicos de Entrega de Nicotina por Adolescentes: Modelo de Transição Multiestados de Markov

Shieun Lee, Dong-Chul Seo
"Transições Comportamentais Longitudinais no Uso de Sistemas Eletrônicos de Entrega de Nicotina por Adolescentes: Modelo de Transição Multiestados de Markov"